Muitos clubes regionais ou locais são instituições de utilidade pública. Os seus estatutos referem explicitamente que devem estar ao serviço das populações. Os seus dirigentes repetem e sublinham que essa é a razão de ser essencial da sua existência (Missão). Baseiam-se também nesse espírito para outras finalidades (subsídios, impostos, descontos, etc.).
Nos últimos tempos, com o avolumar das dificuldades financeiras, têm vindo a repetir que as actividades amadoras devem ser autónomas. Mas parece-nos que essa exigência deveria ser em primeira instância dirigida às actividades profissionais (futebol espectáculo, etc.). É verdade que as actividades verdadeiramente amadoras são em maior número, mas elas representam uma percentagem muito pequena de despesas directas em relação ao total das despesas de todas as modalidades de um clube. Todas elas lutam com dificuldades na obtenção de subsídios ou angariação de sponsers. Incluímos neste âmbito o futebol/desporto ou amador, isto é, aquele que é praticado na sua grande maioria por jovens (as chamadas escolas de formação).
O espírito que deve prevalecer deve ser sempre o da auto sustentação, mas a começar pelas modalidades profissionais, ou aquelas em que os “actores” recebem de uma forma ou de outra qualquer recompensa monetária ou material e que correspondem a valores muito mais significativos. Está inserido neste âmbito, sobretudo o futebol profissional. Este é por vezes erradamente referido como se desporto se tratasse, quando na realidade se trata de espectáculos comercializáveis. É desta forma que deve ser encarado e gerido. E como qualquer actividade comercial não pode ser deficitária, sob risco de entrar em situação de falência. Pode-se dizer que recorrer a empréstimos é prática corrente de muitas organizações. Os empréstimos podem até ser solução para muitos investimentos, mas não é o caso, pois não existe uma estratégia ou um objectivo coerente e lógico resultante desse processo.
Por isso, se os sócios ou os espectadores aderirem em número suficiente a esses espectáculos e sustentem os mesmos com as suas quotas/bilhetes, ou conjuntamente com outras fontes de rendimento (publicidade, etc.), existe razão para continuarem. É um divertimento/passatempo como outro qualquer a que as pessoas têm direito a assistir. Mas não é isso que tem acontecido. O que vemos é uma redução acentuada (por vários motivos) dessa e de outras fontes de receita (publicidade, TV, etc.). Salvo casos muito pontuais, os prejuízos dos referidos clubes têm aumentado de ano para ano como uma bola de neve a rolar.
Há algum tempo que se diz que os clubes de futebol (incluindo os de cariz regional) repetidamente assumem compromissos com “plantéis” que de um modo geral, claramente não podem cumprir.
Como a realidade do espectáculo futebol profissional tem vindo a mudar a maioria dos clubes (direcções) têm que rapidamente inverter a sua estratégia (quando a têm), antes que sejam forçados a fazê-lo. Como diz o ditado chinês: “Na sociedade existem (pelo menos) três tipos de pessoas (dirigentes) “os que não sabem o que está a acontecer, os que deixam as coisas acontecer e os que fazem as coisas acontecer”. As instituições, empresas e a população em geral estão cada vez mais receptivas e apetentes para a prática desportiva, sobretudo de manutenção e por outro lado, cada vez mais cépticos em relação ao mundo do futebol profissional e por arrasto às direcções desses clubes. Por isso há que sintonizar com essa nova envolvente e mudar. Também aqui se enquadra um outro provérbio oriental, “quando os ventos de mudança sopram, uns constróem barreiras e outros moinhos”. Insistir naquilo que a comunidade não precisa, nem quer, é um erro estratégico. A estratégia é que tem de mudar.
As direcções desses clubes e em primeira instância os seus presidentes devem saber claramente qual é a sua estratégia e apresentá-la num documento escrito (uma folha ou duas, no máximo). Isto é, onde querem estar (e como), para onde querem ir (e como) e depois, mais importante ainda, serem coerentes na implantação prática da estratégia ao longo dos mandatos. Não basta dizer que os clubes estão aos serviço das populações como sentido principal da sua existência, quando depois na prática esse nobre desiderato é (bastante) secundarizado.
É preciso atirar uma pedrada no charco e parar essa bola de neve, que é o vício de manter o prestígio das equipas de futebol profissional e que se traduz na ânsia de subir de divisão ou o desespero de não descer. Temos que ser pragmáticos, se tiver que se descer aos regionais, isso não é nenhum drama, embora tal possa, no principio, custar a alguns sócios, sobretudo aos mais antigos e ao brio (teimosia) de outras. Pensamos que isso até pode não acontecer se houver uma alteração gradual. Será uma boa oportunidade para incentivar uma parte significativa dos jovens da nossa terra, oriundos da formação do clube, para continuar a sua prática desportiva salutar, na verdadeira acepção do termo. Seguramente que, com a sua expectável entrega, eles não deixarão ficar mais mal vistas as cores do clube e da terra que representam, do que os actuais profissionais. Os dirigentes não podem é viver numa ilusão e num castelo de cartas e alimentar essa ilusão, cada vez mais longe da realidade, aos sócios. Essas alterações podem ter que ser feitas (e habitualmente assim acontece) com ruptura em relação a uma tradição (cultura), mas preferencialmente de forma pró activa, sem deixar de ser evolutiva. É sempre melhor mudar de livre vontade do que ser forçado a fazê-lo.
É certo, que na sua génese, foram as equipas de futebol que começaram por estar na origem de um grande número de clubes e tudo girava à sua volta. Mas as coisas mudaram e vão continuar a mudar aceleradamente.
Se as estratégias estão desajustadas, porque não aparecem pessoas com capacidade e coragem para propor a sua alteração? Tal está, em parte, relacionado com a crise no associativismo. Na verdade, o dirigismo associativo especialmente no que concerne às colectividades de que estamos a falar, está em redefinição (não em extinção). O sistema actual está esgotado. É preciso encontrar novas formas de gestão desses clubes (e de outras colectividades) e novas motivações para atrair pessoas com capacidade para ocuparem esses lugares. O altruísmo, a entrega desinteressada à causa pública e outras motivações de antes, desvaneceram-se bastante ou foram muito afectadas, tanto mais que as responsabilidades legais, no desempenho desses cargos, aumentaram sem contrapartidas. As motivações que fazem mover essas pessoas ou eventuais/potenciais candidatos a cargos directivos, são outras. A motivação é algo complexo, que não se consegue medir e é muito difícil de perceber na sua globalidade. Apenas nos podemos aperceber da sua existência através de alguns sinais (comportamentos) exteriores, nem sempre em sintonia com o que nos vai na alma. Qualquer das formas, uma pessoa motivada desempenha as suas funções/tarefas por gosto, por realização pessoal, não para receber algo de material em troca. Sabemos que ninguém vive do ar e que é necessário que as necessidades elementares, relativamente às condições padrão da sociedade em que nos inserimos, estejam satisfeitas para que as pessoas desempenhem funções não remuneradas (exclusivamente por motivação). As pessoas movem-se sempre por algum interesse, nem que seja o da auto realização por servir o próximo. Existe sempre algum objectivo subjacente à sua actuação.
Por outro lado, as actuais recompensas (podem não ser só materiais), praticamente inexistentes, não seduzem o número de cidadãos suficientes com capacidade/perfil para exercer essas funções. Se há falta de dirigentes em quantidade, quanto mais em qualidade. O mesmo se aplica a outros cargos, como treinadores, etc. Ressalvo no entanto o seu mérito e o reconhecimento que lhes é devido aos (poucos) que, apesar das crescentes dificuldades e muitas incompreensões, ainda vão aceitando esses cargos. Seria interessante, apesar de tudo, saber (analisar) quais as motivações dessas pessoas, apesar da envolvente bastante negativa atrás descrita.
Não pretendo com estas ideias ser alternativa a ninguém, antes, contribuir com a minha pequena experiência de bastantes anos ligado ao desporto (como dirigente, analista e praticante), para uma reflexão colectiva sobre a matéria.
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